O que são o CBS e IBS ? — Guia Prático do novo IVA-dual

CBS IBS

Por Lucas Caldas | Mentor Fiscal

A Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) compõem o modelo brasileiro de IVA-dual. O sistema foi viabilizado pela Emenda Constitucional nº 132/2023 (que inseriu, entre outros, os arts. 156-A a 156-G da CF para o IBS) e regulamentado pela Lei Complementar nº 214/2025. Na prática, CBS substitui PIS/Cofins e IBS substituirá ICMS/ISS ao fim da transição. O desenho traz não-cumulatividade plena, crédito financeiro e mecanismos para evitar “tributo sobre tributo”.


Cronograma de implementação (resumo)

AnoEtapas
2026Fase piloto: destaque em NF (CBS 0,9% e IBS 0,1%) sem recolhimento.
2027Início da cobrança real da CBS; PIS/Cofins extintos; IS entra.
2029–2032Transição do IBS: substituição gradual de ICMS/ISS.
2033Consolidação do IVA-dual (CBS + IBS + IS).

Natureza e fato gerador (iguais para CBS e IBS)

A LC 214/2025, arts. 4º e 5º define que CBS e IBS incidem sobre operações onerosas com bens ou serviços — conceito amplo que abrange vendas, prestações, locações, licenças, mútuo oneroso, arrendamento (leasing), doação com contraprestação, direitos reais onerosos, entre outros (rol do art. 4º, §2º).

Leitura prática: tudo que envolva contraprestação econômica (pagamento em dinheiro, bens, direitos, vantagens) é operação onerosa e, portanto, alcançada pelo IVA-dual.


Quem é contribuinte

Arts. 21 a 26, LC 214/2025:

  • Fornecedor (PJ em atividade econômica habitual/profissional).
  • Adquirente em casos específicos (ex.: bens apreendidos/abandonados, leilões).
  • Importador (PF ou PJ).
  • Hipóteses específicas previstas em lei (ex.: locação de imóveis por PF em condições típicas).

CBS é federal (administração: RFB). IBS é estadual/municipal, com Comitê Gestor Nacional para gestão unificada (conforme a CF com redação da EC 132/2023).


Incidência, não incidência e imunidades

CategoriaComo entenderBase legal
IncidênciaTodas as operações onerosas, inclusive com ativos não circulantes (p. ex., venda de máquina do imobilizado).Arts. 4º e 5º
Não incidênciaServiços de empregados; transferências internas entre estabelecimentos; atos societários; rendimentos com regime próprio; doações sem contraprestação etc.Art. 6º
ImunidadesExportações de bens e serviços (com manutenção de crédito); entes públicos; templos; partidos e fundações; educação/assistência sem fins lucrativos; livros, jornais e periódicos (e papel); obras musicais nacionais; radiodifusão gratuita; ouro – ativo financeiro.Arts. 79 a 81

Base de cálculo (comum à CBS e ao IBS)

A base é o valor da operação onerosa. Inclui acréscimos de preço, juros/multas/encargos, descontos condicionais, frete/seguro cobrados pelo fornecedor, tributos e preços públicos suportados pelo fornecedor e demais importâncias (art. 12, §1º).
Exclui o próprio CBS/IBS, o IPI, descontos incondicionais, reembolsos por conta e ordem (documentados), tributos específicos da transição 2026–2032 e a contribuição do art. 149-A da CF (art. 12, §2º).

Ou seja, os impostos que ainda estarão vigentes no período de transição, como o ICMS e ISS, mas que serão extintos após o fim dessa transição não integram a base de cálculo da CBS e IBS.

Se a operação não tiver preço determinado (ou preço não idôneo), a base pode ser arbitrada (a autoridade fiscal vai definir o valor “correto”; critérios subsidiários no art. 13).


Não-cumulatividade e créditos (CBS e IBS)

O IVA-dual adota crédito financeiro pleno: o contribuinte se debita nas saídas e se credita nas entradas (insumos, serviços, energia, despesas operacionais etc.), pagando apenas o imposto sobre valor agregado.

1) Regra geral de crédito

O crédito só será permitido após a liquidação do débito anterior. Lembrando que o crédito de CBS só se aplica ao próprio CBS e o mesmo vale ao IBS.
Base: art. 47, caput e §1º c/c art. 27.

Enquanto o Split Payment não estiver ativo, aplica-se a dispensa transitória do art. 48: é possível apropriar crédito com base na NF-e; Implementado o Split (ou recolhimento pelo adquirente), volta a exigir extinção do débito normalmente.

2) O que dá crédito ?

Tudo que pagar CBS/IBS e esteja vinculado à atividade econômica gera crédito. Mesmo que vinculado indiretamente, exceto o que for classificado como uso/consumo pessoal (art. 57) e demais vedações legais.

Exemplos com crédito:

  • Materiais de escritório (papel, toner, teclado, mouse, pastas);
  • Materiais de limpeza do estabelecimento;
  • Serviços (contabilidade, TI, segurança, marketing, manutenção);
  • Energia/telecom;
  • Ativo imobilizado (máquinas, equipamentos, veículos operacionais — com estorno proporcional se houver perda/roubo; art. 47, §§6º–7º);
  • Compras de optante do Simples: crédito ao adquirente no regime regular em montante equivalente ao devido no DAS (art. 47, §9º, II);
  • Combustíveis no regime específico: crédito automático (dispensa comprovação de extinção; art. 47, §§4º–5º).

3) O que não dá crédito

  • Operação Imune, isenta, suspensão ou diferimento (salvo crédito presumido previsto): arts. 49–52;
  • Uso/consumo pessoal (lista e exceções no art. 57);
  • Operações sem débito anterior de CBS/IBS.

Exceções: uniformes/EPIs; alimentação não alcoólica no estabelecimento; serviços de saúde/creche no estabelecimento; planos de saúde, VT, VR/VA e benefícios educacionais quando previstos em acordo/convenção coletiva (com regras específicas) vão gerar crédito.

4) Uso do crédito, ressarcimento e prazo

O aproveitamento dos créditos de CBS e IBS deve seguir a ordem e os critérios definidos na legislação.
De forma prática, isso significa que o contribuinte deve utilizar primeiro os créditos de períodos anteriores, depois os do mesmo período e, por fim, os créditos acumulados para períodos subsequentes. Caso não seja possível compensar integralmente, o valor pode ser objeto de ressarcimento, conforme previsto no art. 53 da LC nº 214/2025.

Os créditos são mantidos em seu valor nominal, sem atualização monetária, salvo nas hipóteses expressamente previstas em lei — como na demora injustificada da restituição. O prazo prescricional para aproveitamento é de cinco anos, e os créditos não podem ser transferidos a terceiros, exceto em casos de sucessão societária, respeitando-se a data original de apuração (arts. 54 e 55).

O pedido de ressarcimento observará prazos legais de 30, 60 ou 180 dias, conforme a natureza do crédito, com correção pela Selic nas hipóteses de mora do fisco. A legislação também disciplina as situações de suspensão ou fiscalização do pedido, garantindo transparência e segurança jurídica (arts. 39 e 40).


Split Payment, recolhimento pelo adquirente e fluxo de caixa

Split Payment (padrão e simplificado)

O Split Payment é o mecanismo central de arrecadação do IVA-dual. Ele determina que, no momento do pagamento, o provedor de serviços de pagamento (PSP) segregue automaticamente a parcela correspondente à CBS e ao IBS, repassando ao fornecedor apenas o valor líquido da operação (arts. 31 a 35, LC 214/2025).

Na prática, isso significa que a NF-e deverá vincular a operação ao pagamento, identificando os débitos de cada tributo. No modelo simplificado, voltado ao varejo e a operações com não contribuintes, a legislação autoriza percentuais pré-definidos por setor ou porte do contribuinte, com ajustes e devoluções automáticas em caso de recolhimento excedente (art. 33).

As regras operacionais abrangem situações como pagamento parcelado, antecipação de recebíveis e responsabilidades de cada agente envolvido (art. 34). A implantação será gradual, priorizando os meios de pagamento mais utilizados pelo varejo e as operações de maior relevância fiscal (art. 35).


Recolhimento pelo adquirente

Quando o meio de pagamento não permitir a segregação automática, o adquirente que atua sob o regime regular poderá realizar o recolhimento da CBS e do IBS em nome do fornecedor (art. 36).
Nessas hipóteses, eventual excedente deve ser devolvido ao fornecedor em até três dias úteis, garantindo fluxo de caixa equilibrado entre as partes.


Pagamento indevido ou a maior

Se houver pagamento indevido ou em valor superior ao devido, o contribuinte terá direito à restituição, desde que a operação não tenha gerado crédito ao adquirente. A restituição observará os requisitos do art. 166 do CTN, que exige comprovação de que o ônus do tributo não foi repassado ao comprador (art. 38, LC 214/2025).


Alíquotas de referência

A Lei Complementar nº 214/2025 não fixa alíquotas únicas. Em vez disso, determina um procedimento anual de cálculo, conduzido com base em critérios de neutralidade e metas de arrecadação (arts. 355 a 359).
As projeções técnicas atuais — entre 8,7% e 9,3% para CBS e 17,7% para IBS — são apenas estimativas e podem variar conforme a consolidação dos dados econômicos e a política de compensações federativas.

Em termos práticos, a definição final das alíquotas caberá aos atos regulamentares que operacionalizarão a arrecadação conjunta da CBS e do IBS, respeitando os limites constitucionais e os princípios da não-cumulatividade e da transparência.


Transição: créditos de PIS/Cofins e ICMS/ISS

Durante o período de transição, os saldos credores de PIS e Cofins poderão ser aproveitados, mediante regras e atos específicos da Receita Federal.
O IBS, por sua vez, substituirá progressivamente o ICMS e o ISS entre 2029 e 2032, sob a coordenação do Comitê Gestor Nacional. Esse processo será acompanhado de ajustes no ERP, nos layouts de NF-e e nos sistemas de escrituração fiscal digital.

Na prática, é recomendável que as empresas mapeiem os saldos de créditos atuais, revisem regras de parametrização em seus sistemas e acompanhem a publicação dos atos infralegais que detalharão a compensação e a migração para o novo modelo.


Conclusão

O modelo IVA-dual (CBS + IBS) representa uma mudança estrutural na tributação sobre o consumo no Brasil. Ele consolida a não-cumulatividade real, amplia o alcance dos créditos financeiros, introduz o split payment como forma segura de recolhimento e promove integração federativa entre União, Estados e Municípios.

Para se adequar, as empresas devem:

  • revisar incidência, base de cálculo e regras de crédito;
  • adequar seus sistemas (ERP e NF-e) ao novo fluxo de pagamento e segregação de tributos;
  • acompanhar a definição das alíquotas e as normas de transição publicadas pelos órgãos competentes.

Referências oficiais